Cultura kaingang e a inserção do índio na universidade foram temas de palestra
Intitulada "Cultura e cosmologia kaingang: o outro no pensamento ameríndio", a atividade, realizada no auditório da reitoria (Santa Maria, RS), foi transmitida pela WebTV.
Ontem, dia 19 de abril, foi o Dia do Índio. Para marcar essa data que traz à tona o debate sobre a realidade indígena no país e a reflexão sobre preservação cultural e respeito às diferenças, o IFFar promoveu uma palestra com o professor Diego Fernandes Dias Severo (Campus Alegrete), membro do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (Neabi), e o mestrando Carlos Silva da Costa (UFSM), índio kaingang.
Além de tratar de aspectos da cultura kaingang, com foco nas diferenças entre esses povos e o pensamento hegemônico ocidental, o docente abordou os desafios que os indígenas enfrentam ao inserirem-se na vida universitária. “Hoje os indígenas estão ocupando mais espaços, estão em todos os lugares, em todos os cursos”.
Contudo, segundo o professor, ainda é comum a estranheza dos estudantes ao se depararem com um índio na universidade. “Nós tememos o diferente. A gente não sabe lidar com ele. Já no pensamento kaingang, a diferença é o que produz a vida”, destacou.
Na palestra, Diego explicou que, da visão de mundo kaingang, a partir da união de características diferentes, das dualidades, é que se dá a vida. A floresta é o espaço paradigmático dessa cultura. Essa pode ser apontada como a principal razão de o artesanato ainda ser a maior fonte de renda desses povos: é a forma que eles têm de permanecer conectados à natureza.
O docente também apresentou alguns dados sobre a realidade indígena no país. Atualmente, existem no Brasil cerca de 240 povos indígenas que somam, segundo o censo IBGE de 2010, 820 mil pessoas (confira mais dados divulgados pelo IBGE) Dentre eles, os kaingangs representam a quarta maior população indígena do território nacional.
Professor do Campus Alegrete abordou aspectos da cultura indígena kaingang.
Estudante kaingang compartilha experiência na universidade
Após a palestra do professor, foi a vez do agrônomo e mestrando Carlos Alexandre Silva da Costa compartilhar suas experiências enquanto índio kaingang e estudante universitário. Carlos conta com uma longa história de luta pela construção de caminhos para os indígenas no ambiente acadêmico. Na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), foi o primeiro índio a ingressar na graduação, em 2009, pelo sistema de cotas que acabara de ser criado.
Formado em Agronomia, em 2016 ele ingressou no mestrado em Extensão Rural e, mais uma vez, foi pioneiro. Primeiro aluno indígena na pós-graduação.
Ao ingressar na universidade, Carlos deparou-se com inúmeros desafios. Na época, não havia programas de permanência voltados aos cotistas, moradia para estudantes indígenas ou auxílio no restaurante universitário. Além disso, o contato com uma visão de mundo (a do não-índio) completamente diferente da dele, em um ambiente que estimulava o individualismo e a competitividade, também foi um desafio.
“Dentro da visão do índio, ele não precisa desfilar com carrão, estar com o melhor celular, todos esses ideais capitalistas. O simples é o fundamental. O ser é mais importante que o ter”, contou.
Apesar de não compreender essa lógica, aos poucos ele precisou se adaptar, pois não haviam semelhantes. No ano seguinte, 2010, nenhum índio ingressou por meio do vestibular – fato que fez Carlos se questionar: por que eles não estão vindo para a universidade?
Em busca de respostas, junto com lideranças de movimentos indígenas e caciques, ele passou a visitar comunidades, e descobriu que muitas não tinham o conhecimento da possibilidade de ingresso pelas cotas. Assim, começou sua luta pela disseminação dessas oportunidades e construção de políticas públicas que garantissem o ingresso e a permanência desses alunos.
“O índio se adapta, é capaz de aprender e de seguir em frente. Mas precisamos de pontos de referência, de caminhos”. Em sua trajetória como estudante de graduação, ele precisou abrir muitos desses caminhos. Agora, a luta segue na pós.
Para ele, ainda há muito a conquistar e, para isso, é preciso lutar com as ferramentas certas.
“Hoje em dia a gente não vai mais pra guerra, com arco e flecha. Agora a nossa arma tem que ser o papel e a caneta. Então, nossa lança é a caneta e nosso escudo é o papel”.
Muito começa pelo acesso das comunidades indígenas às leis já existentes. Sobre esse aspecto, Carlos apontou a burocratização como obstáculo para muitos indígenas chegarem ao ensino superior. Comunidades mais isoladas têm dificuldade para apresentar os documentos requeridos nos processos de inscrição e matrícula. “Depois da criação das cotas, começou a se buscar mais o registro indígena [registro civil de nascimento para os povos indígenas no Brasil], mas ainda é algo recente”.
Ele destacou ainda a importância da educação bilíngue em escolas indígenas para que essa cultura não se perca. Pois, apesar de adaptarem-se aos costumes dos não-índios, a essência desses povos permanece indígena. “Se eu estiver vestindo uma roupa, eu não vou deixar de ser índio. Assim como um branco, se ele se pintar, usar as vestimentas, ele não vai ser identificado como índio”.
Estudante do mestrado em Extensão Rural falou sobre a luta pela construção de espaços na universidade.
Cultura Kaigang em imagens - A exposição fotográfica "Saberes e confrontos Kaingang nas cidades" ocorre no hall de entrada da Reitoria do IF Farroupilha a desde esta terça-feira (18). O professor Diego Fernandes Dias Severo é o autor das fotos. Saiba mais.
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