Projeto estuda o comportamento do Vento Norte na região central do Rio Grande do Sul
Pesquisadores do IFFar - Campus São Vicente do Sul e da UFSM, estudam o Vento Norte, evento climático característico da região central do Rio Grande do Sul. O objetivo é identificar padrões do fenômeno ao longo do ano e gerar informações que ajudem a comunidade a se preparar para seus efeitos.

Pesquisadores do projeto durante a campanha de Vento Norte realizada em julho deste ano
O calor chega de repente. As rajadas levantam poeira, curvam árvores e fazem o ar parecer mais pesado. Quem vive na região central do Rio Grande do Sul certamente já ouviu falar no “Vento Norte". Além de anunciar mudanças no tempo, ele também deixa marcas no campo e na cidade: do ressecamento das plantações ao desconforto de animais e pessoas.
Mas, apesar de tão presente na memória popular, o fenômeno ainda guarda muitos mistérios. O que exatamente o provoca? Por que é tão intenso em Santa Maria e arredores? Quais são os efeitos no cotidiano das cidades?
Para responder essas e outras perguntas, o IFFar - Campus São Vicente do Sul em parceria com a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), iniciou um projeto de pesquisa voltado a observar e analisar o Vento Norte em diferentes épocas do ano. Coordenado pelos professores Cinara Ewerling da Rosa (IFFar) e Michel Stefanello (UFSM), a iniciativa busca transformar quase duas décadas de registros meteorológicos em conhecimento aplicado à realidade regional.
“Sopra forte, Vento Norte”
O Vento Norte é um fenômeno marcado por aumento brusco da temperatura, queda da umidade e ventos fortes. “Embora ocorra durante todo o ano, mais da metade dos episódios acontece no inverno”, explica Cinara. Para compreender como ele se forma e por que se intensifica na região central do estado, os pesquisadores reúnem um grande volume de dados que descrevem tanto o comportamento geral da atmosfera quanto os eventos que ocorrem próximos à superfície.
Esses registros, segundo a professora, vêm de diferentes fontes: as estações automáticas do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), que disponibilizam de hora em hora a temperatura do ar, a umidade, a pressão atmosférica, a velocidade e a direção dos ventos, entre outros; a torre micrometeorológica da UFSM, equipada com sensores que captam variações instantâneas do vento e do calor no ar; além de campanhas experimentais, como a realizada no inverno deste ano, que incluiu o lançamento de radiossondas (balões que sobem à atmosfera com sensores para medir pressão, temperatura, umidade, velocidade e direção do vento em diferentes altitudes), e a instalação temporária de mais dez estações de superfície em Santa Maria e região.
A partir desse conjunto de medições, é possível reconstruir o cenário atmosférico durante os episódios de Vento Norte e identificar seus padrões.
Os dados mostram que o fenômeno ocorre quando massas de ar quente vindas do norte descem pelas encostas da Depressão Central. Essa região se destaca por ser mais baixa e plana em comparação aos planaltos que a cercam, funcionando como um corredor natural para a circulação do ar. Santa Maria está situada justamente ao pé dessa escarpa, que tem cerca de 300 metros de declive. Essa configuração faz com que o ar desça com intensidade, aquecendo rapidamente e acelerando os ventos, que em alguns episódios chegam a rajadas superiores a 90 km/h.

Soltura de balão metereológico durante a campanha de Vento Norte
“Antes que essa chuva caia”
Prenúncio de mudança, quando o Vento Norte começa a soprar, todos sabem que logo virá a chuva seguida pela queda das temperaturas. “Ele se desenvolve em um ambiente pré-frontal, ou seja, no período que antecede a vinda de uma frente fria”, explica Stefanello.
A chegada desse vento aquece rapidamente o ar e reduz a umidade. Por isso, segundo a professora Cinara, o fenômeno também pode atuar em combinação com outros eventos extremos, intensificando episódios de ondas de calor e ocorrendo logo após grandes volumes de chuva como aquelas que provocaram as enchentes de 2024.
Essas alterações súbitas do clima criam situações de estresse tanto para os seres humanos quanto para os animais e para a agricultura, que depende de estabilidade para garantir a produção. Agricultores, por exemplo, relatam perdas com o ressecamento da vegetação, danos em estruturas e queda na produção de leite.
De acordo com o professor, compreender o Vento Norte é fundamental não apenas do ponto de vista meteorológico, mas também para minimizar impactos sociais e econômicos. “Saber quando ele vai ocorrer ajuda a proteger estufas, evitar desperdícios no uso de agrotóxicos e permite que a Defesa Civil se prepare para atuar em caso de possíveis estragos”, afirma.
Cooperação internacional
Durante o desenvolvimento do projeto, os pesquisadores também buscaram parcerias fora do país. Em dezembro de 2024, Cinara e Stefanello participaram de uma missão nos Estados Unidos, que incluiu uma visita técnica à Universidade da Califórnia em Santa Bárbara (UCSB) e a participação na conferência internacional AGU24, em Washington, D.C.
Na UCSB, discutiram com a professora do Departamento de Geografia da instituição Leila Carvalho e sua equipe a realização da campanha experimental do Vento Norte de 2025, além de compararem o fenômeno gaúcho com os ventos Sundowners (“ventos do pôr do sol”, em tradução livre, assim chamados por ocorrerem com mais intensidade no fim da tarde), característicos da Califórnia. Já no congresso em Washington, apresentaram trabalhos sobre observações de alta resolução e simulações do Vento Norte, ampliando a visibilidade do IFFar e da UFSM em pesquisas sobre meteorologia e mudanças climáticas.

Stefanello (esq) e Cinara (dir) ao lado da professora Leila Carvalho (centro) durante missão do projeto no exterior
Ciência pública, benefícios coletivos
Além de produzir séries temporais e gráficos, o projeto tem como meta fortalecer a comunidade regional. Para Cinara, essa missão está diretamente ligada ao papel do IFFar, como instituição pública de ensino voltada à pesquisa e extensão. “Investigar fenômenos locais como o Vento Norte significa valorizar nossa realidade e contribuir para aumentar a resiliência da região. É transformar conhecimento científico em benefícios concretos para a sociedade”, ressalta a professora.
Ela destaca que envolver estudantes nesse processo é essencial para aproximar a ciência da comunidade e formar profissionais mais preparados. A pesquisa envolve diferentes níveis de formação acadêmica. No IFFar, Cinara coordena a bolsista Milena Marquesin, estudante do 6º semestre do curso de Agronomia do Campus São Vicente do Sul, que cresce em meio aos desafios de análise de dados e monitoramento em campo. Já na UFSM, o projeto se conecta a estudantes de graduação e pós-graduação sob orientação do professor Stefanello.
O financiamento vem de múltiplas frentes: além do próprio IFFar, conta com bolsas do CNPq e apoio da Fapergs pelo edital Recém-Doutor. Tais investimentos reforçam o papel das esferas federal e estadual na sustentação da pesquisa científica pública. “Sem esse suporte, seria impossível manter a série histórica de observações ou realizar campanhas experimentais”, pontua Cinara.
Essa rede de colaboração permite que jovens pesquisadores aprendam, na prática, como se constrói ciência aplicada a situações reais. “Quando os alunos participam de todas as etapas da pesquisa, da coleta e análise de dados à interpretação dos resultados, eles entendem como o conhecimento é construído e percebem o impacto direto que isso pode ter na vida das pessoas”, afirma a professora.
Milena, conta que começou no projeto em 2023, após conhecer a proposta da professora Cinara, e logo se viu imersa em um universo novo: “No início, comecei fazendo revisão bibliográfica sobre o Vento Norte, aprendendo a trabalhar com o RStudio (programa computacional que ajuda a organizar e analisar dados) e a estudar inglês, porque a maioria dos trabalhos publicados está nessa língua”, relata.
Com o tempo, a estudante passou a realizar as análises dos eventos de Vento Norte com base em dados meteorológicos disponíveis, além de atuar no monitoramento da lactação de vacas do Tambo (instalação projetada para a produção e o manejo do gado leiteiro) do campus São Vicente do Sul, para relacionar possíveis impactos do fenômeno na comunidade da região.
Para ela, a pesquisa representa muito mais do que uma experiência acadêmica.“A participação no estudo me ensinou que, com dedicação, é possível aprender até o que parecia distante. Também percebi a importância de ter um segundo idioma e de dominar ferramentas como softwares de programação”, resume.

Milena (esq) ao lado de Cinara (dir) durante a Mostra de Educação, Ciência, Tecnologia e Cultura (MECTeC) do IFFar - Campus São Vicente do Sul de 2024
E assim, com o avanço da pesquisa, o Vento Norte deixa de ser apenas um personagem do imaginário popular para se tornar objeto de conhecimento científico que pode orientar decisões no campo e na cidade. Ao aproximar a meteorologia da vida cotidiana, os pesquisadores mostram que entender as rajadas que sopram sobre a nossa região é também uma forma de cuidar daqueles que vivem sob sua influência.
https://iffarroupilha.edu.br/noticias-svs/item/43078-projeto-estuda-vento-norte-regi%C3%A3o-central-rs#sigProId0a2742d630
Secom
Redação: Daniele Vieira - estagiária de Jornalismo
Revisão: Rômulo Tondo - Jornalista
Coordenador de conteúdo: Elisandro Coelho - Relações Públicas
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